UMA REFLEXÃO PASTORAL SOBRE AS
“APARIÇÕES E MENSAGENS DE NOSSA SENHORA EM ITAÚNA [MG]BRASIL
O ano de 1955 foi marcado por
uma explosão de devoção mariana na cidade de Itaúna.Em um matagal e
lugar esburacado na periferia da cidade, começou-se a presenciar
fenômenos extraordinários que interferiram na vida pacata desta
tradicional cidade mineira. Primeiramente, foram crianças de origem
muito humilde que presenciaram tais fenômenos. Viram vultos que
identificaram mais tarde como sendo aparições de Nossa Senhora. Depois,
com o movimento surgido, as multidões começaram a correr ao local,
também alguns senhores fizeram tais experiências. O que foi visto, foi
acima de tudo uma experiência de profunda espiritualidade mariana e
eclesial; o crescimento da devoção mariana mediante o testemunho de
pessoas maduras e profundamente respeitáveis; uma experiência de
profunda fidelidade pastoral do então pároco da única paróquia de
Itaúna, Senhora Sant’Ana e destes videntes que em momento algum perderam
a serenidade e o sentimento eclesial.
Alguns elementos
surpreendentes deste fenômeno: Os videntes eram homens ( diferente de
outros fenômenos semelhantes onde os videntes são na sua maioria:
crianças, adolescentes e mulheres, e até portadoras de desequilíbrios
mentais) a sobriedade e fidelidade eclesial dos videntes e a caridade
pastoral do pároco, a atualidade da mensagem, a longa duração e os bons
frutos do fenômeno.
A cidade de Itaúna sempre foi
marcada por forte devoção mariana e vivência eclesial. Das seis
paróquias atuais, quatro delas e a maioria das capelas são dedicadas à
Maria. Era uma das cidades preferidas do primeiro bispo de Belo
Horizonte, Dom Antonio dos Santos Cabral: tanto, que quando da criação
da diocese de Divinópolis, em 1959, ele tentou conservá-la sob a sua
jurisdição. Na época já era uma cidade industrial, muito forte na
indústria siderúrgica e têxtil. Despontava-se também como forte centro
cultural, ao ponto de na década de 70 receber da ONU o título de “
cidade educativa “ . O fenômeno deve ser compreendido à luz deste pano
de fundo, sobretudo da forte devoção mariana cultivada em mais de cem
anos de vida paroquial e na festa de Congado, também muito tradicional
na cidade.
Além das crianças que
presenciaram os primeiros sinais deste fenômeno, destacaram-se videntes
de sexo masculino. Foram eles Ovídio Alves de Souza, Otaviano Gentil de
Castro, José Rita, Antonio Nunes de Oliveira, João Queiroz e Eduardo
Vasconcelos de Morais. Destacaremos em nosso estudo o primeiro. Que alem
de ser o grande expoente deste fenômeno de vidência deixou-nos
documentos escritos.
O Sr. Ovídio Alves de
Souza,sempre foi um homem sempre bem quisto em nossa cidade.
Farmacêutico diplomado, trabalhador, cumpridor de seus deveres sociais,
católico, considerado por todos como dotado de grande senso de
honestidade e equilíbrio. No seu diário, datado de 1956, revela-nos que
não foi dos primeiros a deixar-se envolver pelo fenômeno. Foi até ao
local das “aparições” depois de alguns dias, fascinado mais pelo
movimento popular que se criou, do que pelo próprio fenômeno. Sua
motivação primeira não foi religiosa, mas fascínio diante do fato
extraordinário que constituía o movimento de pessoas que estavam sendo
envolvidas. O jornal “Tribuna de Minas”, editado em Belo Horizonte, no
dia 20 de agosto de 1955, afirma “que mais de mil pessoas acorriam ao
local a cada dia”.Como pessoas conhecidas, consideradas sensatas estavam
“vendo a santa”, começou a acreditar e a buscar também ter a visão.
diário fala também de oposições
sofridas, críticas, incompreensão do dono do terreno, incredulidades
etc....Apesar disso, não foi uma caminhada tumultuada. Pelo que sei e
li, o Interiormente rezava: Ó Virgem Maria Santíssima, em honra e Glória
do Divino Espírito Santo, concedei-me uma graça. Fazei que eu note a
vossa presença, não só para aumentar a minha fé, mas também para
conversão dos que não crêem” ( Ovídio, Diário das aparições,p2)
No dia 27 de julho de 1955
teve sua primeira “visão”.Assim ele descreve a primeira visão: : Tinha a
estatura normal, uma capa azul clara partindo do rumo da cabeça, cobria
todo o corpo. Mãos postas, dedos compridos e claros, uma fita prateada
por cima da capa parecia contornar a cabeça, estava de perfil, não
consegui ver a sua feição devido o rosto estar completamente escuro. Não
vi os seus pés” (Diário p.2). Confessa que depois desta primeira
aparição e de outra quando viu “um homem vestido como apóstolo” e uma
criança pequena, perturbou-se sentiu medo( Diário p.3).Não conseguindo
fugir à vontade de vê-la novamente, depois de alguns dias voltou a
frequentar o local. Voltou a vê-la novamente, inclusive em visão
conpartilhada por testemunhas( Diário p.34). Assim descreve a visão
compartilhada por seu pai: “..estava com um manto azul,rosto moreno
claro, cabelos jogados pelos ombros, com as mãos cruzadas ao peito.
Tinha a cabeça um pouco inclinada para o lado “esquerdo”(Diário p.4).
Após esta, e outras manifestações, compartilhadas por testemunhas, pediu
ao Padre Ferreira Neto que celebrasse duas missas para as almas do
Purgatório, temendo ser aparições de almas(cf Diário p.4).Depois,
apareceu-lhe ajoelhada em oração(Diário p.5).No dia 24 de outubro do
mesmo ano apareceu-lhe com um rosário em sua mão esquerda(Diário
p.5).Depois viu-a em companhia de um santo semelhante a Jesus
Cristo(Diário p.6).No dia 21 de novembro apareceu novamente, desta vez
com um rolo de papel nas mãos (Diário p.6).Falou também de um sinal de
sua presença: um forte relâmpago em dia de sol(Diário p.6). Apareceu-lhe
também com um objeto triangular em mãos e com uma estrela sob os pés.Em
outra aparição percebeu neste objeto varias letras escritas em
maiúsculo. Por fim , no dia 28 de Novembro, conseguiu decifrar
claramente o escrito: “Jesus Christo eterno Deus.O paganismo ameaça o
mundo.Erguei o altar, orai com fé e vereis o milagre da
conversão”(Diário p.8). Outros elementos importantes das mensagens
também são apresentados:Ela apresentou-se ao vidente com a inscrição
“Maria Virgem Imaculada”(Diário p.18). Alem da fé pedia:”Piedade,
Penitência e Paciência”(Diário p.20). Em outra aparição aparecia a
inscrição: “aliança com Deus...e propagai a fé”( Diário p.20).Como
pode-se ver , existem vários elementos comuns a outras”aparições”aqui
presentes: a insistência na oração, o título de Imaculada, o Rosário, a
mensagem de conversão, e o milagre.O novo aqui, aparece sobretudo no
caráter otimista que pervade todo o fenômeno, na figura profundamente
eclesial e sóbria do vidente, o fato de existir outros videntes e do
sexo masculino, a relativização do grupo e das mensagens de cunho
apocalíptico.Profundamente atual é a referência ao processo de
paganização do mundo, o que pode ser visto muito claramente na Economia
Mundial- profundamente desumana e excludente- ,na política, nos
costumes atuais..etc. O vidente narra ainda várias outras visões,
todas com muitos detalhes, como lugares, datas e horários, pessoas,
ornamentos, testemunhas,etc.
Uma mensagem de cunho social
muito significativa é narrada: “Nossa Senhora apareceu como se estivesse
assentada, com a criança maltrapilha e aspecto faminto, vista
anteriormente, assentada em seu colo com a cabeça encostada em seu
peito, virada para a minha frente.Nossa Senhora estava com as duas mãos
em cima da barriga da criança. Ela estava com o rosto virado para o
lado esquerdo ‘fiz-lhe a seguinte pergunta: o que vós desejais? ‘Ela
virou o rosto para frente num movimento muito lento e abaixou a cabeça,
como se estivesse olhando para a criança que estava em seu colo.”(
Diário p.19).
O ambiente em torno dos
videntes, sobretudo do Sr. Ovídio foi sempre marcado pela serenidade.
Um outro aspecto importante a
ser destacado é o acompanhamento do pároco, que pelo que é documentado
no Diário acompanhava todos os acontecimentos com muita atenção e era
sempre informado pelos videntes sobre todas as “aparições”e mensagens.
Foi realmente pastor. No diário não encontrei nenhuma expressão ofensiva
à sua pessoa ou a qualquer autoridade eclesiástica. Pelo contrário, um
dos elementos fortes que pervade todo o documento é o sonho de
reconhecimento das aparições por parte da Igreja.
O vidente documenta as suas
experiências, de 02 de Agosto de 1955 até 15 de Agosto de 1965. Agora,
sua presença diária no local continuou até o fim de sua vida.Ali, com o
apoio do Pe. José Ferreira Neto e da comunidade , construiu uma gruta,
verdadeiro templo ao ar livre, e uma moderna capela, usada para
celebrações em dias chuvosos e salas para catequeses e reuniões
pastorais. Após concluídas estas obras, entregou-se aos cuidados da
comunidade,que hoje tem vida própria como comunidade eclesial, ligada à
paróquia de Sant’Ana. O local é muitíssimo visitado pela comunidade.
Fica aberto de 06 da manhã às 21:00 horas, e sempre com a presença de
muitos fiéis. O vidente com a sua fidelidade à experiência mística e à
Igreja , foi um sóbrio missionário. Em suas visitas diárias à gruta,
local das “aparições”, sempre vestido de terno e gravata, foi sempre
marcado pelo semblante alegre e sereno. Além de cartão postal de Itaúna,
o local constitui-se num grande centro de espiritualidade de nosso povo.
Nunca permitiu ali nenhuma comercialização, possível razão do sucesso
popular e pastoral da experiência mística. Com certeza, constitui hoje
num local de encontro com Deus e com sua “Serva”- Maria Virgem e
Imaculada- mãe e discípula fiel do Senhor.
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Momento solene da
autorização pelo Bispo Diocesano para a criação da imagem de Nossa
Senhora de Itaúna. |
Capela da Gruta |
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clique nas fotos para ampliá-las |
Graças a Deus e também ao zelo
e sensibilidade pastoral de nosso bispo diocesano, Dom José Belvino do
Nascimento, o Sr. Ovídio pode, antes de sua morte, ter a alegria de ver
pintada em quadros e na capela da gruta a visão de Maria que contemplou
na gruta, e também de rezar a oração a Nossa Senhora de Itaúna, assinada
por nosso bispo.
Não teve a alegria de ver a imagem
de Nossa Senhora de Itaúna – também construída por ordem de nosso
bispo-, pois faleceu antes de vê-la pintada. Na palavra de seus filhos o
consolo, “ele não precisou ver a imagem de gesso, pois viu-A face a
face”. Com certeza o Sr. Ovídio pôde partir deste mundo feliz, e
deixar-nos essa herança de amor a Deus e a Maria Santíssima. Que o
Senhor Deus da vida nos abençoe e tenha o Sr. Ovídio e os outros
videntes falecidos na glória, recompensando-os por sua humildade e
fidelidade à Igreja.
Pe.Amarildo José de Melo
Pároco de Sant’Ana
[ Jornal Tribuna-26 / 07 / 2003 ]
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